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Apagão de mão-de-obra: crônica de uma morte anunciada

Por Denise Lustri
Havia um tempo em que as organizações demandavam poucos profissionais com bom nível de conhecimento, preparo para tomar decisões e visão estratégica. Esses seres habitavam o reino da cúpula e dirigiam a empresa. Aos demais trabalhadores, restava a tarefa de executar as ordens dos comandantes.
O mundo mudou! Com a globalização e os avanços tecnológicos conectando os quatro cantos do planeta, diminuíram-se as distâncias, encurtou-se o tempo e as coisas acontecem com uma rapidez cada vez mais acelerada. E a cúpula ficou pequena demais para o volume de informações, para a abrangência dos conhecimentos requeridos em um contexto cada vez mais complexo, para um tempo cada vez menor para analisar situações e tomar decisões, ficar atenta à concorrência, cuidar de velhos clientes e conquistar novos, inovar, planejar e gerar resultados.
Daí a necessidade crescente de descentralizar, dar autonomia, de contar com um número maior de profissionais pensantes, pró-ativos, criativos, com senso crítico e pensamento sistêmico. E eis que essa necessidade vem se chocar com a falta de profissionais preparados para assumir tais desafios. A situação se agrava com o atual crescimento da economia em termos mundiais, que acaba gerando novos postos de trabalho, aumentando a demanda por profissionais qualificados.
Em uma busca eletrônica neste início de dezembro com as palavras-chave “falta de qualificação profissional” foram detectadas aproximadamente 10.800 entradas. A grande maioria são relatos, artigos, pesquisas e depoimentos sobre as dificuldades geradas pela falta de mão-de-obra qualificada no mercado nos campos social e organizacional. As dificuldades são sentidas nos mais variados tipos de organizações, das públicas às privadas; pequenas, médias e grandes; da indústria ao setor de serviços; em todas as regiões do Brasil; de pedreiros, costureiras a engenheiros e profissionais de informática.
Ao refletir sobre a escassez de qualificação no mercado, pensei na excelente obra de Gabriel Garcia Marques, “Crônica de uma Morte Anunciada”. Logo no início é revelada a identidade do criminoso e os detalhes do assassinato. Na trama, todos sabem que o crime vai acontecer, lamentam, mas ninguém nada faz para evitá-lo. E, assim, passamos por toda a história sabendo do seu desfecho e aguardando o acontecimento!
Da mesma forma, o “apagão da mão-de-obra” está longe de ser assunto novo. O tema vem sendo exaustivamente debatido por estudiosos, pesquisadores, políticos, empresários e executivos. Está nos meios empresariais, educacionais, governamentais, na mídia impressa e falada. Todos sabem, discutem e sentem o problema, mas pouco se faz para minimizá-lo ou tentar resolvê-lo.
A falta de mão-de-obra qualificada não é exclusividade do Brasil. A economia mundial vem crescendo em média 5% ao ano desde 2004, e a crescente dificuldade em preencher vagas é sentida em nível mundial. Porém, em vários países observa-se uma grande preocupação e ações para a elevação do nível de escolaridade e do preparo profissional. O que não acontece no Brasil.
Vemos ações louváveis, como o programa Educação para a Nova Indústria, da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que planeja investir 10,45 bilhões de reais até 2010 na educação básica e profissional de 16,2 milhões de pessoas. Há ainda trabalhos de peso promovidos pela parceria de empresas com órgãos como SESI, SESC ou SENAI, e muitos outros bons exemplos.
Porém, trata-se de ações isoladas e, em um país das dimensões do Brasil, com graves deficiências no sistema educacional e uma massa de quase dez milhões de desempregados, seria imperiosa uma ação conjunta no desenvolvimento e implantação de novos métodos e programas de qualificação que promovessem resultados mais rápidos.
No último dia 31 de outubro, o professor Russell Lansbury da Universidade de Sidney Austrália, nos visitou na FEA-RP para discutir temas como a globalização, as transformações no mercado de trabalho e as implicações para o desenvolvimento e para a competitividade econômica. Russell trouxe-nos a boa experiência de Singapura, em que governo, empresas e sindicatos uniram esforços em um programa nacional para qualificação dos trabalhadores para as novas exigências do mercado de trabalho global.
Outros exemplos de países como Irlanda, Finlândia, Espanha, Coréia do Sul, que cresceram substancialmente com investimento em educação, saltam aos olhos e comprovam a importância desse item para o desenvolvimento das pessoas, organizações e nações.
O estudo Brazil: Knowledge and Innovation for Competitiveness, desenvolvido pelo Banco Mundial, indica que o Brasil perderá espaço na conquista de investimentos e no aproveitamento de oportunidades de expansão da economia, em virtude da falta de investimento em educação e qualificação profissional. O estudo revela também que os investimentos das empresas brasileiras na formação profissional visam a suprir as deficiências do ensino fundamental, enquanto que outros países priorizam a especialização. Segundo informações da CNI, o estudo deve ser disponibilizado em português no início de 2008.
Assim, há evidências contundentes do que as deficiências da educação e a falta de ações de qualificação profissional podem significar para o desenvolvimento das pessoas, da sociedade, das organizações e da nação – é um assunto do interesse e para o benefício de todos. Resta saber quando veremos ações abrangentes que, de fato, coloquem o Brasil em condições melhores para competir no contexto mundial.
http://www.rh.com.br/Portal/Mudanca/Artigo/4935/apagao-de-mao-de-obra-cronica-de-uma-morte-anunciada.html