(Artigo de Fábio Haddad de Lima)
Fábio Haddad de Lima é advogado, vice-presidente da 24a Subseção da OAB/SP.
No próximo dia 1º de maio, o Decreto-Lei n.º 5.452/43 tornar-se-á septuagenário. Em breve, para comemorar essa data em grande estilo, serão gastos milhões de reais angariados pelas Centrais Sindicais, provenientes da fatia que lhes cabe a partir da repartição do recheado bolo da contribuição sindical. Seja ou não de sua vontade, saibam ou não, todos os trabalhadores empregados dão a sua parcela de colaboração para a magnitude desses eventos, já que a contribuição sindical é obrigatória em nosso país e 10% do total arrecadado é repassado às Centrais Sindicais. Enfim, mesmo que não deseje, o trabalhador é obrigado a fomentar uma ideologia partidária, muitas vezes contrária à sua. Mas, esse não é o foco do artigo, embora revele o seu tom.
São setenta anos de CLT e uma pergunta me inquieta: realmente temos o que comemorar? A resposta negativa, para mim, é óbvia.
A nossa Consolidação das Leis do Trabalho é baseada em um modelo do século XVIII. Além disso, o direito nacional experimentou grande influência da corrente socialista de padrão marxista, notadamente pelos princípios que norteavam essa posição. O momento político na época da criação da maior parte das leis trabalhistas foi o do Estado Novo de Getúlio Vargas. Fertilizada em solo intervencionista, a semente que deu vida à CLT de 1943 não poderia gerar outros frutos senão a existência de regras legais que vedam qualquer forma de transação ou renúncia, encampando aquela ideia de irrenunciabilidade ampla dos direitos. A tutela do Estado estava, pois, completamente voltada ao trabalhador, em razão da necessidade inerente à época.
Contudo, na atual conjuntura econômica e social, a legislação trabalhista não mais atende as expectativas das modernas relações de trabalho, gerando insegurança jurídica e crescente aumento de demandas judiciais.
Ao contrário do que se passava na década de 40, hoje o trabalhador tem acesso amplo a informação e cultura. O Brasil não é mais aquele de setenta anos atrás. O ritmo de vida é outro. Os perfis de empregado e empregador mudaram. A lei, no entanto, é a mesma.
Para remendar essa fratura pela qual passa o direito do trabalho, legisla-se através de súmulas que ofendem a nossa senhora de setenta anos. E essa defasagem da CLT acaba por gerar a ausência de tutela completa às novas e modernas relações de trabalho, aumentando a viabilidade de fraudes e levando o bem intencionado Judiciário, por vezes, ao exagero de tentar tutelar aquilo que nem o próprio legislador tutelou. Vivemos num universo de insegurança jurídica, onde, surpreendentemente, ao acender das luzes de um novo dia, uma nova súmula poderá alterar completamente para proteger o trabalhador, evidentemente – anterior entendimento da jurisprudência, deixando o empregador à mercê das inventividades da mais alta corte trabalhista do Brasil, que, como dito anteriormente, vem “legislando” através de seus entendimentos sumulados e orientações jurisprudenciais.
Não seria o caso da legislação tutelar a relação de trabalho, e não somente o trabalhador, como se vê no modelo atual? Não restam dúvidas de que o direito do trabalho deve prestigiar a empregabilidade, porém, lamentavelmente, não é o que se constata quando se debruça no arcabouço da legislação trabalhista.
É inconcebível que a lei dispense o mesmo tratamento a uma gigante multinacional e a uma pequena empresa de fundo de quintal.
Há, ainda, a perigosa tendência social de parte do Judiciário, que, com base nos chamados direitos fundamentais de quarta geração, encontram embasamento jurídico para tutelar todo e qualquer direito do trabalhador, indefinidamente.
Diante desse quadro, tem-se a impressão de que o empresário, por buscar o lucro através de sua atividade econômica, é um grande vilão com cifrões nos olhos, que deve ser punido por ganhar dinheiro de forma lícita, suportando a pesadíssima e complexa carga tributária brasileira.
Como se não bastasse todo esse atraso no campo do direito individual, o nosso modelo sindical é arcaico e necessita de reforma. A unicidade sindical monopoliza a representação de uma determinada categoria profissional, numa mesma região, engessando as negociações coletivas.
Para que haja uma efetiva evolução também do direito coletivo do trabalho, portanto, é imperiosa uma severa alteração na estrutura sindical brasileira. Seria preciso que o Brasil ratificasse a Convenção n.º 87, da OIT, levando a efeito profundas alterações na CLT e até mesmo na própria Constituição, para remover os entraves à liberdade na negociação trabalhista e promover um efetivo avanço nas modalidades de negociação.
Recentemente, a Espanha levou a efeito uma ambiciosa reforma trabalhista. As mudanças reduziram o valor das indenizações por demissões em 27%, diminuíram os impostos trabalhistas, tornaram a admissão e a demissão mais fácil para as pequenas empresas e melhoraram o programa do seguro-desemprego. Com isso, o país atraiu US$ 11 bilhões em investimentos estrangeiros de janeiro a setembro de 2012.
Enquanto isso, em terra tupiniquim, os impostos trabalhistas ainda equivalem a 41% do lucro das empresas e mal se ouve falar em reforma trabalhista. Que comemorem os que acham ter motivos.
Publicado em 26/04/2013 no Jornal Cruzeiro do Sul. Por Fábio Haddad de Lima.