As atuais discussões que se referem ao mercado de trabalho tratam dos níveis de desemprego que vem crescendo sistematicamente. Segundo dados do CAGED/MTE, nos últimos 12 meses (mar/15 a fev/16) foram extintas mais de 1,7 milhões de vagas de trabalho em todo o Brasil. Na Bahia, esse número passa dos 78 mil, segundo a mesma fonte.
Junte-se ainda o adiamento das aposentadorias e o aumento da quantidade de jovens profissionais que deixam as faculdades semestralmente e teremos um cenário muito difícil para quem precisa ingressar no mercado de trabalho. Experiência profissional é um dos requisitos para o acesso, com tamanha oferta de profissionais a competitividade dos jovens se fragiliza e as possibilidades de conquista de uma vaga reduzem drasticamente.
Para enfrentar essa situação os jovens necessitam de orientação e preparo para conseguir iniciar a construção da vida de trabalho. Não vivemos mais em tempos em que os jovens buscam emprego assalariado, visando acesso ao início da cadeia hierárquica de uma organização com uma relação estável e duradoura. Características como lealdade e dedicação em troca de segurança e durabilidade do emprego não são mais garantias de sucesso no mercado de trabalho.
Um grupo de pesquisadores de vários países escreveu o artigo “A Construção da Vida: Um novo paradigma para entender a carreira no século XXI”, publicado na Revista Internacional de Psicologia, 2009, vol. 44, Num 2. Esse modelo de construção da vida para o aconselhamento apoia-se nas teorias de construção de si, de Jean Guichard, e construção de carreira, de Mark L. Savickas, que descreveram o comportamento vocacional e seu desenvolvimento.
Nesse artigo, os autores abordam que as perspectivas profissionais nos tempos atuais não são mais definidas em padrões estáveis de trajetórias lineares de carreira, é necessário o aprendizado constante, habilidade para mudanças frequentes e flexibilidade, tornando-se protagonista de sua própria empregabilidade com capacidade de gerar suas próprias oportunidades. Num mercado agitado e em permanente mudança as carreiras dos profissionais não podem ser planejadas apenas através da ótica da pessoa, deve considerar também que o contexto terá influência no comportamento humano.
Apresentam ainda cinco novos pressupostos acerca da vida de trabalho, que devem ser considerados como mudanças necessárias nos métodos de aconselhamento, com base num modelo de construção da vida como forma de entender a carreira, são eles: possibilidades associadas ao contexto, processos dinâmicos, progressão não linear, perspectivas múltiplas e padrões individuais. Faremos uma breve descrição desses pressupostos como forma de estimular a discussão e entendimento dessa nova proposta de organização do trabalho nesse início de século XXI.
Possibilidades associadas ao contexto – reconhecimento de que o aconselhamento ocorre em condições que estão longe de ser controlados.
Identidades profissionais devem ser vistas como padrões em constante mudanças que derivam da história do cliente. É insuficiente prevê-la como algo estático que tende a permanecer ao logo da trajetória de carreira ou mesmo tomar por base resultados ou escores de testes. O cliente forma um conjunto dinâmico e complexo que resulta da organização de suas aptidões construídas ao longo do tempo, que é responsável pela modelagem da identidade profissional.
Processos dinâmicos – foco nas estratégias de sobrevivência e na dinâmica de enfrentamento, mais do que adicionar informação ou conhecimento.
Nos tempos da internet, a informação ficou facilmente disponível para todos. Lidar com a interpretação e análise das mudanças, especialmente relacionadas a empregabilidade, tem sido as principais necessidades dos clientes com relação a tomada de decisão que contemplem aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares.
Progressão não linear – de um simples conselho na tomada de decisão sobre vocação para a coconstrução e acompanhamento do processo mais amplo de construção de vida.
Será necessário dedicar tempo ao processo de aconselhamento, não basta um encontro e a análise de resultados de testes e avaliações, será necessário identificar as principais influências em seu entorno, formular hipóteses de trabalho e, então, acompanhar e testar de forma interativa para se propor soluções que venham a atender às necessidades do cliente de forma sustentável.
Perspectivas múltiplas – contínua construção e reconstrução das realidades produzidas pelos clientes.
Os clientes precisam se engajar em atividades e na busca de sentido para se sentirem capacitados a construir uma nova visão sobre si mesmos. Surge então a identificação de diferentes possíveis perspectivas e delineamentos, a partir das múltiplas formas de uma pessoa interpretar suas próprias e diferentes experiências de vida.
Padrões individuais – não considerar os resultados somente a partir de uma variável, usar todas as possibilidades derivadas do indivíduo.
Cada cliente tem seu próprio projeto profissional, individual. Todo aconselhamento de carreira, para ser eficiente, deve evitar tratamentos padronizados. É necessário que haja uma adaptação para cada indivíduo. Surge então uma dificuldade para avaliar os resultados do processo de aconselhamento, posto que aborda diversas realidades e origens dos problemas, com muitas possibilidades de causas, mudanças de hipóteses e definição de problemas durante o processo.
O texto sugere ainda que o processo de aconselhamento de carreira deve ser feito como forma de construção da vida e que não pode ser dissociado do trabalho. O processo de aconselhamento deve despertar no cliente a flexibilidade do agir, considerando suas muitas possibilidades. A exploração dessas possibilidades deve vir das narrativas dos clientes, pois é através delas que se identificam os questionamentos e problemas, para se construir alternativas, o que leva ao engajamento em atividades significativas e ao desenvolvimento na sociedade do conhecimento.
Os jovens profissionais passaram por uma etapa difícil quando decidiram por esse ou aquele curso de graduação. Agora formados, precisam iniciar a vida de trabalho, num momento que as perspectivas de mercado estão bem desfavoráveis. O processo de orientação ou aconselhamento de carreira precisa propor formas para ajudá-los a se perceber profissionais identificados com suas formações, bem como as múltiplas possibilidades de atuação que os tempos atuais permitem, pois uma formação não limita a atuação profissional nem a construção da carreira e da vida de trabalho.
*Miguel Argôlo Consultor de Carreira, Coach e Projetos de Gestão de Pessoas