Por: *Marcelo Nakagawa
Talvez alarme não seja o termo ideal, mas chama a atenção a preocupação de boa parte das principais empresas do Brasil com o pedido de demissão de jovens que largam ótimos empregos, bons salários e grandes planos de carreira para empreender. Em geral são os mais promissores, que se formaram nas melhores faculdades, são fluentes em dois ou mais idiomas, além de terem níveis elevados de inteligência emocional. Daí a preocupação e, consequentemente, o alarme dos líderes da organização. Não só em função do investimento feito pela empresa naquele profissional, mas, principalmente, nos vácuos de liderança e sucessão que começam a se formar nas organizações que se acostumaram a se posicionar entre as mais desejadas.
Muitos jovens mimados pedem para sair por imaturidade mesmo e as organizações deveriam agradecê-los pelo favor e repensar o processo de contratação.
Mas o questionamento se concentra nos grandes talentos que estão deixando as corporações. Uma das principais empresas de alimentos ilustra este contexto. A marca conhecida, respeitada e desejada atrai mais de 20 mil candidatos interessados em seu programa de trainee todos os anos. Assim, não foi fácil para uma jovem conseguir uma das 20 vagas oferecidas em 2016. Mas um ano depois, ela e outros 15 trainees haviam pedido demissão para se juntar a uma startup. O motivo da desistência do salário de quase R$ 10 mil: hipocrisia da empresa. Comprou o sonho (que ainda está no site da instituição) de que faria a diferença em uma carreira cheia de desafios em uma organização aberta à inovação alinhando seu propósito de vida aos objetivos da empresa, mas encontrou um local rígido de trabalho onde o chefe sempre contava as melhores piadas. Ganhando menos, trabalhando até mais, ela agora está feliz liderando uma área de novos negócios de uma startup.
A história dela e de vários outros jovens é resumida por Tallis Gomes, um dos principais empreendedores do Brasil e recém-eleito como um dos jovens mais inovadores do mundo pelo MIT:
“Eu cansei de tirar pessoas que trabalhavam em empresas renomadas para virem trabalhar comigo ganhando a metade do que eles ganhavam. E sempre me perguntam como eu consigo contratar tanta gente boa pagando tão barato assim. E explico que eles não estão vendo valor que estão recebendo em dinheiro. Eles estão vendo valor em conhecimento profissional, em experiência. E aí eles saiam de uma grande empresa, na qual sua principal função era fazer Power Point e Excel, e se mudavam para uma empresa que tem como propósito de vida entregar um bem maior para a sociedade.”
Neste contexto, das organizações que não só querem contratar talentos empreendedores e inovadores, mas mantê-los assim, algumas reflexões podem ser úteis:
Não use filtro ou Photoshop. Se vender sua empresa como perfeita só atrairá os tolos que acreditam que isso existe. Nos últimos anos, algumas consultorias de recrutamento começaram vender bojo de sutiã na forma de empregos incríveis em empresas incríveis para pessoas incríveis. Mas de incrível mesmo só o valor que cobravam. As organizações precisam mostrar que não são perfeitas, que o trabalho nem sempre é inspirador e ainda assim é possível entregar benefícios para todos os envolvidos. Se a jovem que menciono no início do texto tivesse consultado o site da LoveMondays antes de se candidatar, teria entendido que aquela empresa não era Cinco Estrelas, mas medianamente 3,2. E não há problemas em atuar em uma organização 3,2 desde que não tenha sido vendia como 5.
Contrate ex-empreendedores. A chance de uma startup quebrar é de cerca de 92% nos Estados Unidos e algo semelhante ou pior no Brasil. Assim, se cresce o número de pessoas que querem empreender, o mesmo ocorre com ex-empreendedores. Trazer alguém que já empreendeu e quebrou a cara para dentro de uma organização pode ser o equilíbrio entre comportamento empreendedor, engajamento e disciplina executiva demandado por muitas empresas. Trazer empreendedores que fracassaram para contar suas trajetórias em palestras para seus colaboradores também pode ser didático e motivador (para manter seus talentos engajados, é claro).
Adote práticas, ferramentas e abordagens típicas das startups. Para não perder seus talentos para startups, muitas grandes empresas estão se tornando (hipocritamente) uma. Ambientes descontraídos podem contribuir para práticas de trabalho mais informais e colaborativas, mas não serão os pufes coloridos que transformam empresas tradicionais em startups. Práticas de gestão típicas de startups como OKR (Objetive and Key Results) e ferramentas ágeis de desenvolvimento de projetos como Scrum conseguem integrar alinhamento estratégico ao engajamento dos colaboradores. Ferramentas como Lean Startupe Design Thinking incentivam a interação dos funcionários com o mundo real, a percepção do impacto do seu trabalho na vida das pessoas e a importância da experimentação no processo de aprendizado. E aceleradoras corporativas de projetos podem disseminar (e valorizar) o comportamento empreendedor dos empregados.
Por fim, transforme a organização em uma plataforma de inovação aberta. Estabeleça estratégias para novos negócios sinérgicos com startups, mesmo que criadas pelos melhores funcionários da organização. Se ele(a) for realmente excelente, é melhor mantê-lo(a) por perto…
*Marcelo Nakagawa é Professor de Inovação e Empreendedorismo do Insper