Dizem que “a cultura come a estratégia no café da manhã”, uma brincadeira com a importância que ela tem dentro do contexto de um empreendimento. Não faltam exemplos de como a cultura e estratégia estão ligados. O da Intel é um deles.
Apesar de estar financeiramente em alta, a multinacional de tecnologia fundada em 1968 ficou de fora da chamada “revolução móvel” (o crescimento do mercado de dispositivos móveis), da qual seria completamente capaz de ter participado.
Segundo Jean-Louis Gassée, empresário francês conhecido pela sua atuação como executivo na Apple, a empresa falhou em ver o potencial do novo mercado. A negação – consciente e subconsciente – se deu por conta de uma cultura organizacional fixada em altos lucros, que fez com que a companhia evitasse qualquer risco.
Entrar em um novo mercado, explica Jean-Louis, quase sempre significa menos receita e lucro. O receio de passar por isso foi o que fez com que a Intel ficasse de fora, inclusive após ser convidada por Steve Jobs para produzir o processador do primeiro IPhone, sucesso de vendas da Apple.
Cultura e estratégia
“É a cultura quem dá permissibilidade para uma estratégia acontecer ou não”, explica Ryoichi Penna, CEO da Tribo, consultoria em propósito e cultura e sócio do Grupo Anga, que é uma consultoria em inovação. “Então, é muito difícil pensar em uma estratégia de agilidade e flexibilidade em uma cultura de conservadorismo, estabilidade e foco em controle”, exemplifica.
A cultura emerge a partir das necessidades que a empresa tem, e isso pode ser diferente de época em época. Por exemplo: no começo, autonomia e liberdade podem ser bastante valorizados, mas quando a organização cresce, pode se focar mais em sustentabilidade financeira, estabilidade, etc.
Para Ryoichi, é aconselhado pensar na organização como um organismo vivo. “A cultura é a manifestação da identidade e do caráter desse organismo”, diz ele. E isso é “ditado” tanto pelas necessidades, quanto pelas crenças e valores das pessoas que a lideram. A parte de resultados rentáveis é compartilhada por todas, mas o propósito que a acompanha tem origem em quem a criou, por exemplo.
“Sempre existe um vínculo – por mais que ele seja pouco visível a olho nu – entre a história de vida de quem funda e a história da organização e o propósito dela.”
Como a “manifestação do caráter” da companhia, tentar alterá-la pode não render bons frutos – e, até, acabar resultando no efeito contrário. “A cultura desteta ser manipulada – é ela que acaba manipulando a gente”, afirma Ryoichi. Como o de tentar forçar uma estratégia de inovação pode fazer com que uma empresa fique ainda mais conservadora.
Transformação cultural a favor da estratégia
Sendo conjunto de características tão enraizado nas estruturas e fundamentação do negócio, uma transformação cultural bem-sucedida não nega o passado a favor da reinvenção. Pelo contrário: pega insumos na sua própria história.
Para se transformar profundamente, é preciso entender o que que fez elas darem certo e reaplicar no novo contexto, segundo o CEO da Tribo. “A primeira pergunta que fazemos em qualquer processo de transformação cultural é ‘quem nós somos quando somos o nosso melhor?’”, conta.
As respostas servem como material para orientar a metamorfose. Por exemplo, se é uma empresa conhecida pela ambição, como que ambiciosamente ela promove a mudança. O mesmo acontece com os outros valores-chave, como agilidade, colaboração, autonomia. “Sempre partindo de que tudo que a empresa precisa já está ali”, completa o especialista.
Exemplos de mudança orientada
Ryoichi dá exemplo de empresas que foram capazes de entender as próprias forças e utilizá-las para permitir novos ciclos e até reinvenções dos negócios.
A Mercur, companhia brasileira fabricante de borracha, é uma delas. “Eles fizeram um trabalho de revisitar valores e perceberam que, no final das contas, eles tinham um valor central que era da ‘vida acima de qualquer coisa’. E abraçar e permitir que uma estratégia nascesse a partir desse valor tornou-os uma empresa altamente rentável, sustentável e com uma relação incrível com a comunidade com a qual está inserida”, explica.
Uma das que a Tribo prestou consultoria, foi a Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil). O time trabalho para despertar nos vendedores de seguros a reflexão sobre serviço, acima do foco em vendas – “como servir proteção às pessoas que vêm aqui?”. Como resultado, o especialista conta que a organização passou a crescer 400% ao ano.
Fonte: https://www.napratica.org.br/cultura-e-estrategia-transformacao/?utm_source=PortalNP&utm_medium=PushNP