Quantas coisas em sua vida acontecem no seu tempo, no seu ritmo, na sua velocidade?
Aposto que não foi assim quando você estava na escola e nem na universidade.
Aposto que não é assim atualmente em sua carreira ou em seu trabalho.
Aposto que não é assim com o cinema que você curte, com a literatura, com a moda, com a gastronomia , com seus remédios, com sua saúde, com a academia, com quase tudo que, de fato, importa na nossa vida.
Algumas coisas certamente são rápidas demais para você processar, outras são muito lentas para você manter o foco, mas você se resigna, pois “precisa ser assim”, para que você possa ter acesso e possa compartilhar com outras pessoas.
Isso acontece porque vivemos, até hoje, na era da escala.
Mesmo com o advento das tecnologias da informação e da economia do conhecimento e dos serviços, ainda não nos livramos — como consumidores e como produtores — dos vícios cristalizados da massificação.
Consumimos best-sellers, block-busters, currículos padronizados, dietas e roupas da moda, remédios produzidos em larga escala… Mesmo quando o mais adequado era usufruirmos da capacidade de personalização que as novas tecnologias permitem, em diversos desses casos.
É inegável que a era industrial deixou um legado positivo (ressalva: não é meu objetivo aqui discutir o lado negativo da industrialização, da divisão e da exploração do trabalho, da relação conturbada capital-trabalho, de uma possível centralização de riquezas, da degradação ambiental. Vou ligar o filtro cor de rosa e pensar no lado positivo desse período impactante da história).
É fato, também, que somente através do aumento da capacidade produtiva das nações e das empresas diversos produtos tornaram-se acessíveis à população em geral — sejam eles necessários, úteis ou fúteis.
A educação, o vestuário, os automóveis, a medicina, todos esses são exemplos de produtos que se tornaram “universais” — guardadas as devidas proporções — depois das três revoluções industriais que nosso mundo vivenciou até então.
Mas é perceptível, também, que estamos nos aproximando de um momento de intensa inflexão nessa trajetória.
A massificação em escala cederá seu lugar, cada vez mais, à personalização, à individualização, à formação de microtribos, ao um para um.
Vamos às evidências que apontam para isso:
1) O um-para-muitos dá lugar ao todos-para-todos (ou: bem-vindo ao fim do domínio dos meios de produção).
Pense em 1990.
De quantos canais de TV você consegue se lembrar? Eu lembro de no máximo 7, 8.
E hoje? Em quantos canais você consegue pensar? 500? 1000?
Qualquer pessoa, hoje, pode criar seu canal na internet, usando câmeras acessíveis, software de edição disponível online e plataformas como o YouTube ou Vimeo. Pode ser tosco, pode ser de alta qualidade. Todos os tipos possuem seu público, desde que o conteúdo mostre-se atrativo para algum público-alvo em especial.
O mesmo vale para jornais e blogs, grandes redes de departamento e lojas online.
O custo e as barreiras para se tornar “produtor de conteúdo” caíram vertiginosamente, suscitando desde celebrações que valorizam a democratização dos meios de comunição e até críticas como o livro “O Culto ao Amador”, de Andrew Keen, que afirma que “qualquer um, por mais mal-informado que seja, pode publicar um blog, postar um vídeo no YouTube ou alterar um verbete na Wikipédia”. Não deixa de ter razão. Ele completa: “Esse anonimato da web põe em dúvida a confiabilidade da informação. E a distinção entre especialista e amador torna-se cada vez mais ambígua”.
Em minha opinião, vivemos um motor positivo de descentralização e democratização da autoria. Se há qualidade ou não, deixemos a própria comunidade peneirar, avaliar e filtrar.
Essas evidências podem ser mais fácil percebidas em um contexto de produção digital, mas não se restringe a isso. Cada vez mais mecanismos de produção em pequena escala começam a se popularizar, colocando em risco tudo aquilo que entendemos de cadeias de suprimento, produção e logística.
E é aí que vem a segunda evidência:
2) Designs abertos e impressoras 3D começam a se popularizar (Ou: os meios de produção se democratizam)
Há alguns anos, produzir um produto físico ou um protótipo era algo bastante exclusivo.
Para valer a pena, você precisava produzir centenas ou milhares de cópias, ou o custo tornava-se proibitivo.
Atualmente, o número de “centenas ou milhares” representa a quantidade de bases e sites de designs abertos, disponíveis para impressão em três dimensões, em uma variedade cada vez crescente de materiais.
O exclusivo tornou-se mainstream, também conhecido como popular.
As impressoras 3D, inicialmente um luxo para poucos, começam a alcançar preços acessíveis e são presenças quase garantidas em espaços de coworkings, maker spaces e fablabs.
Em pouco tempo, o acesso a esses e outros equipamentos de produção de protótipos será tão simples quanto o acesso a copiadoras e impressoras comuns.
O que isso muda?
Muita coisa.
Outro dia, por exemplo, presenciei a produção em tempo real de uma prótese extremamente precisa, usando dados do paciente captados remotamente. Não apenas precisa, mas totalmente adaptada às necessidades específicas do membro substituido. Vi também um molde de uma peça ser produzida a distância, apenas com base em uma especificação técnica.
Imagine o potencial dessas ferramentas para qualquer tipo de produção programável?
Será que um dia veremos casas sendo construídas por impressoras de grande porte?
Será que compraremos o design de um móvel e seremos responsáveis por sua reprodução? Obras de arte? Alimentos? Medicamentos?
O poder de produzir se descentraliza, democratizando agora a produção individual, customizada e distribuída.
Não mais precisaremos ser encarados como uma “demografia”, mas sim como indivíduos, que pensam, produzem e precisam ser tratados individualmente (mesmo que em várias situações pareçamos massa de manobra — mas isso é argumento para outro artigo).
3) Tratamentos genéricos dão espaço para terapias genéticas
Quando você toma um remédio — como um antibiótico ou analgésico, por exemplo — você está administrando anos e anos e bilhões e pesquisa para dentro de seu corpo.
O problema é que — apesar de exaustivamente testado — aquele medicamento foi testado apenas de forma genérica, buscando-se a otimização contra o agente causador, mas pouca precisão quanto a vítima desse agente.
Os últimos anos foram bastante profícuos nos setores de pesquisa e mapeamento genético, com a velocidade de mapeamento aumentando exponencialmente e os preços despencando rapidamente.
Em pouco tempo, os tratamentos antes feitos em larga escala serão substituídos por tratamentos específicos, precisos, que levam em consideração a constituição genética de cada paciente. Logo será possível escolher o melhor tratamento entre centenas de opções que melhor interage com cada indivíduo — e seus genes.
Alguns passos adiante será possível produzir órgãos sob medida, em um primeiro momento totalmente orgânicos e baseados em células tronco coletadas. Já no futuro próximo, porém, órgãos funcionais compostos pela combinação de tecidos orgânicos com elementos digitais, como corações inteligentes ou córneas aditivadas serão uma realidade.
4) A personalização em massa se transforma em personalização de fato
Sites de e-commerce e portais foram os primeiros a colocar em prática o conceito da personalização em massa.
Seu login, seu perfil, seu histórico de compra ou de leitura, até mesmo a maneira como você navega nas páginas… Tudo isso passou a ser usado para oferecer produtos e conteúdos, supostamente mais interessantes a você. Basta ter usado a Amazon para você saber, na prática, o que isso significa.
As redes sociais vieram a seguir, identificando o que você curte, compartilha e posta, criando filtros e formas de apresentação de conteúdos em sua linha do tempo para incentivar, mais e mais, o seu comportamento padrão.
E hoje já podemos criar nossos próprios produtos, com uma infinidade de combinações. Isso vale para seu tênis de corrida, para seu carro, para a pizza que você pede usando o seu celular, para sua série de ginástica acompanhada por um personal trainer remoto, para o próximo currículo que você vai curar.
Bem-vindo à era da “customização”.
5) O “eu” passa a ser quantificável (ou: você é muito mais que um número.)
Dos smartphones aos tênis inteligentes, passando pelos relógios conectados e pelas pulseiras de monitoramento, são variados os pontos de coletas de indicadores de cada um de nós.
Hoje, monitoramos — e muitas vezes compartilhamos — a quantidade de passos dados, nosso batimento cardíaco, a quantidade de kilometros andados por dia, a glicemia, a pressão e o colesterol, seja em nossas redes sociais, com nosso personal trainer ou médicos.
Em pouco tempo, exames preventivos e proativos serão comuns. Já existem equipamentos de diagnósticos que custam poucas centenas de dólares e são capazes de coletar mais de 500 evidências de doenças.
As avaliações semestrais de desempenho darão espaço a avaliações em tempo real de nosso trabalho, abordando tanto os nossos resultados diários quanto informações sobre nosso relacionamento com os colegas, conversações, humor.
Em resumo, se antes éramos “apenas um número”, hoje os números governam o que sabem de nós.
Mas não me parece que estamos de verdade nos importando com isso.
Assustador? Talvez. Bom ou ruim? Um fato.
O mundo está mudando. Ao mesmo tempo em que você parece ter mais poder de adaptar o meio a você e vice-versa, mais rápido esse mesmo meio se transforma.
Darwin nunca esteve tão certo. A diferença é que não dá para esperar as mutações.
Daniel Orlean
Fonte: https://medium.com/@danielorlean/s%C3%A9rie-10-tend%C3%AAncias-para-os-pr%C3%B3ximos-10-anos-epis%C3%B3dio-3-o-fim-da-massifica%C3%A7%C3%A3o-aa018dbdc2e#.xd6vrlsx4