Patrícia Bispo
“Sim senhor, farei isso agora mesmo”; “O senhor é quem manda chefe”; “Tomara que o pneu dele murche no final do expediente”. Apesar dessas frases terem sido criadas nesse instante, a probabilidade de que tenham sido ditas milhares de vezes, como resultado da relação líder-liderado, é de 100%. Quem não teve um superior capaz de causar uma azia, uma forte dor de cabeça semelhante a marteladas, provavelmente já ouviu alguém comentar que está a ponto de pedir demissão, porque não suporta mais conviver com os abusos de poder do chefe.
Infelizmente, ainda são comuns os casos de gestores que lidam com as equipes através do autoritarismo, da repressão e do abuso de poder, tudo em nome de alimentar o egocentrismo e alcançar metas estabelecidas pela organização. No entanto, se esses “líderes” oferecem resultados para a empresa, cedo ou tarde surgirão reflexos inevitáveis: pedidos de demissão, afastamentos por licença médica, presenteísmo, queda acentuada de desempenho e de uma forma geral, profissionais trabalhando com alto grau de estresse.
De acordo com Elizabeth Zamerul, psiquiatra e especialista em relacionamentos interpessoais, em alguns casos os próprios colaboradores dos gestores tiranos, involuntariamente, assim como as empresas, permitem e até estimulam a continuidade dessas atitudes não condizentes a um meio organizacional saudável. “Essas pessoas não se importam com este comportamento e continuam premiando-os pelos seus resultados para o negócio”, ressalta. Em entrevista concedida ao RH.com.br, Elizabeth destaca as consequências que um gestor tirano traz às organizações e os reflexos diretos que ele exerce sobre a equipe. Boa leitura e aproveite para refletir sobre esse assunto que afeta inúmeras empresas!
RH.COM.BR – Que fatores revelam a presença de um gestor tirano?
Elizabeth Zamerul – De um modo geral, esse gestor é muito focado em resultados, demonstra muita coragem e pouca empatia. Desta equação, resultam comportamentos hostis, pois a somatória da comunicação verbal com a não verbal é riquíssima em possibilidades. Podemos considerar como exemplos, atitudes frequentes que vão desde críticas em tom de voz alterado, xingamentos, ironias ou brincadeiras de mau gosto, indiretas, ações arrogantes, prazos impossíveis de cumprir, falta de reconhecimento, rebaixamento hierárquico, desprezo, sonegação de informações, provocação e apelidos estigmatizantes. Podemos também incluir nessa lista: agressões verbais; ameaças; gritos; empurrões; humilhações; constrangimentos; coações públicas; deixar a pessoa sem tarefas alguma para realizar no trabalho; o não respeito à privacidade; tratar o colaborador como criança; impedi-lo de se expressar, de questionar e se explicar; realizar outras ações como perseguição, difamação, rir das dificuldades ou dos erros de alguém; delegar tarefas através de terceiros ou colocar atividades sobre a mesa do profissional sem avisar; controlar o tempo de idas ao banheiro; tornar algo íntimo do assediado público; dar conselhos de que o melhor a fazer é pedir demissão e qualquer outra ação que fira a dignidade e a identidade de alguém.
RH – A presença de gestores com essas características ainda é muito comum no meio organizacional ou esses profissionais estão perdendo espaço no mercado?
Elizabeth Zamerul – Infelizmente a presença deles ainda é muito comum, pois geralmente, eles trazem bons resultados financeiros imediatos para a empresa e grande parte dos administradores das organizações ainda não têm suficiente consciência e visão sistêmica sobre os prejuízos que este tipo de gestor pode trazer, em médio e longo prazo. Geralmente, esses gestores têm funcionários com baixas autoestima e autoconfiança, o que os fazem se submeter a este tipo de gestor e contribuir para a perpetuação da situação. Por outro lado, felizmente, já há ações nas empresas onde a área de RH é mais bem estruturada, reforçando medidas que dificultem a manutenção deste tipo de gestor.
RH – Esse comportamento de alguém que usa o poder para gerar situações constrangedoras para as equipes, pode ser reflexo de quem foi vítima de um gestor tirano ou existem outras razões que levam uma pessoa a agir de maneira violenta?
Elizabeth Zamerul – Sim, é possível, pois nesse jogo de poder, segundo a Análise Transacional, o gestor faz o papel do vilão e o colaborador o da vítima. A pessoa que se coloca no papel da vítima, se não amadurecer e processar esta vivência, em um outro momento, fatalmente entrará no papel do vilão. Ela fará isto, se possível, com quem lhe tiranizou e, se não for possível, com outro que esteja em uma posição mais frágil. Além disto, por assistir por longo tempo ao frequente abuso de poder resultando em impunidade, uma pessoa promovida a um cargo de gestão, compreende que também adquire este direito e assim, a história de tirania repete-se nas próximas gerações de gestores. Por outro lado, também há outras razões que levam uma pessoa a agir assim, como os casos de indivíduos que têm baixa inteligência emocional e pessoas que têm problemas de caráter ou de personalidade anti-social.
RH – Um gestor tirano pode mudar seu comportamento e se tornar um líder, de fato?
Elizabeth Zamerul – Sim, isso pode ocorrer porque o ser humano é altamente adaptável e, diante da mudança significativa das circunstâncias, a pessoa pode processar as informações, amadurecer e se transformar. Vale lembrar que este comportamento de tirania é primitivo e condicionado, ou seja, irracional e o que se requer aqui é que o gestor use a razão, para notar o quanto mais poderia ganhar, se mudasse e também para se conduzir de forma mais ética nos relacionamentos interpessoais. A história da humanidade nos revela fatos assim em várias partes do planeta. Quando um povo resolveu dizer não à escravidão, ao desrespeito, à tirania e se manifestou, lutando bravamente pelos seus direitos, mudou a sua história. Mas, no caso do gestor tirano, isto é mais improvável porque as condições mudam lentamente. Os colaboradores destes tiranos, involuntariamente, assim como as empresas, permitem e, por vezes, até estimulam a continuidade dos gestores tiranos. Essas pessoas não se importam com este comportamento e continuam premiando-os pelos seus resultados para o negócio.
RH – Que iniciativas a área de RH pode implantar para reverter um quadro de atitudes tiranas, vindas de um gestor?
Elizabeth Zamerul – O RH pode dar feedback para este gestor, buscando conscientizá-lo dos possíveis prejuízos para os seus próprios resultados, para a equipe e para a empresa. Pode sugerir a ele um trabalho de desenvolvimento de competências comportamentais mais adequadas, como um treinamento em Gestão de Pessoas, coaching, entre outras alternativas. Se a empresa tiver uma política clara de consequências para este comportamento, a penalidade apropriada pode ser aplicada. Se houver uma ouvidoria, com um conselho ético, ele pode vir a ser advertido. Se isso não for suficiente ou esses recursos não forem disponíveis, o RH pode buscar conscientizar o gestor direto do gestor tirano para que este encaminhe a situação, criando consequências e monitorando de perto o comportamento do tirano.
RH – Esse trabalho realizado pela área de Recursos Humanos deve envolver os liderados, uma vez que esses são vítimas de fatores estressores?
Elizabeth Zamerul – Sim, isto seria tão importante quanto as ações anteriores, pois os colaboradores, como dito anteriormente, podem contribuir, inadvertidamente, com o comportamento inadequado do gestor. Aqui vale lembrar que não há tirania sem submissão. Através de palestras, seminários, cartilhas, atendimento psicológico e social, por exemplo, o objetivo é esclarecer sobre estes comportamentos e suas consequências, apoio da autoestima e autoconfiança dos liderados e condução das ações possíveis em situações deste tipo.
RH – Que impactos o gestor tirano causa a uma equipe?
Elizabeth Zamerul – Ele pode causar alto nível de tensão e estresse crônico, gerando desmotivação, falta de comprometimento, boicotes, desagregação na equipe, perda de foco no trabalho, baixa produtividade, alta rotatividade, grande absenteísmo e até mesmo muitas licenças médicas. Enfim, ele pode destruir a equipe.
RH – Um gestor com essa conduta deve ser afastado imediatamente de suas atividades, enquanto o trabalho de mudança comportamental é realizado?
Elizabeth Zamerul – Isto seria o ideal, mas geralmente esta hipótese não é prática, pois não há apoio dos gestores acima dele e falta quem o substitua nas suas funções. O que se busca é que ele mude, enquanto está no cargo. Quando a situação é tão grave que traz consequências financeiras imediatas para a empresa, como no caso de uma indenização por processo judicial, se for o caso de afastá-lo, a empresa troca a sua função ou cargo ou o demite.
RH – Quem deve avaliar a mudança comportamental do líder considerado tirano é apenas a área de RH?
Elizabeth Zamerul – De acordo com os conceitos atuais sobre Gestão de Pessoas e do líder-coach, cada vez mais o líder é quem deve propor e acompanhar a mudança comportamental do liderado, pois este é quem tem a proximidade necessária no dia-a-dia e o poder real de dar feedback, aplicar as penalidades e contribuir com o desenvolvimento deste gestor tirano. O profissional de RH deve criar as condições e as políticas que dêem apoio às ações do gestor do tirano. Deve também prestar consultoria interna para ajudar o líder do tirano, oferecendo as possibilidades de ações para esta mudança e acompanhar o processo à distância.
RH – Caso o líder não mude seu comportamento, o desligamento é a única alternativa viável?
Elizabeth Zamerul – Isto depende da gravidade do caso, dos riscos para a empresa e para a equipe e dos benefícios financeiros que este gestor traga para a empresa. Para não agir de uma polaridade a outra, ou seja, da tolerância excessiva para a intolerância, creio que deve ser disponibilizado um roteiro de penalidades crescentes, passando por reorientação, advertência verbal, advertência escrita e outras, antes do desligamento. Tudo isto precisa ser combinado e esclarecido para o gestor tirano, assim como para todos os outros profissionais, o quanto antes e sustentado pela direção da empresa, através de monitoramento e feedback adequados.
RH – Supondo que a direção da empresa tenha ciência de uma atuação de gestor tirano e não adote qualquer providência, isso pode gerar processos na Justiça do Trabalho?
Elizabeth Zamerul – Em relação ao assédio moral e a outros danos morais, esta saída – de processos na Justiça do Trabalho – é cada vez mais o que vemos na prática. O número de processos é crescente, mas ainda completamente distante da realidade, pois eles costumam ocorrer quando o liderado se demite ou está no limite de suportar a pressão que vivencia.
RH – Que orientações a Sra. pode dar a quem é vítima de um gestor tirano e aos profissionais de RH que identificam esse problema?
Elizabeth Zamerul – Além do que foi dito anteriormente, sugiro que os liderados leiam muito a respeito, trabalhem a sua autoestima e autoconfiança para se fortalecer e não contribuir com o processo de maus-tratos. O RH tem um papel crucial neste processo, pois pode criar mecanismos de prevenção, como bons treinamentos comportamentais para os gestores; um trabalho consistente sobre os valores da empresa, visando maior integridade dos gestores; pesquisas de clima ou de comprometimento dos colaboradores; ouvidoria ou uma linha ética – um 0800 específico para receber as denúncias destes casos. Pode-se ainda adotar um processo de avaliação de desempenho onde os fatores comportamentais sejam relevantes, onde haja também autoavaliação e, se possível, 180 ou 360 graus e que nestas avaliações seja obrigatória a assinatura do gestor, para que este seja comunicado das opiniões dos colaboradores em relação ao seu liderado.